Eu adoro nadar! Quando entro na piscina, me sinto feliz e livre.
A frase é de Sophia Benedita de Almeida, de 8 anos. Diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ela encontrou na natação um espaço de bem-estar e desenvolvimento, onde aprende a lidar com o próprio ritmo e a conviver com outras crianças.
“Ela fica mais calma e confiante depois das aulas. É visível como o esporte melhora a concentração e o controle emocional dela”, conta a mãe, Bruna Rafaela Benedita de Almeida, que acompanha a filha de perto. Segundo a mãe, Sophia aprendeu a respeitar o tempo dos colegas, a esperar sua vez e, principalmente, a se permitir ser criança. “Gosto de brincar com meus amigos nas aulas e de aprender coisas novas com o professor”.
Histórias como a de Sophia se repetem em diferentes regiões de Mato Grosso, mostrando como o esporte pode contribuir para o desenvolvimento e a inclusão de crianças com TEA.

O que hoje é política pública em alguns estados do país começa, em muitos casos, como uma necessidade reconhecida por famílias e profissionais: oferecer esporte adaptado e continuado a crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O Brasil já tem exemplos práticos de núcleos e programas que usam o esporte como instrumento de inclusão, iniciativas que combinam formação de profissionais, acompanhamento multidisciplinar e vagas específicas para atender crianças e adolescentes no espectro.
No âmbito federal, o Programa TEAtivo, lançado em 2023 pela Secretaria Nacional de Paradesporto do Ministério do Esporte, é a iniciativa mais ampla do governo para levar práticas esportivas adaptadas a pessoas com autismo. O programa já criou núcleos em diversas regiões do país em parceria com a Apae e outras instituições, ofertando modalidades como natação, atletismo, capoeira e futsal com acompanhamento técnico e social. O TEAtivo funciona como modelo de articulação entre governo e entidades locais para escalar atendimento.
Estados e municípios também têm experimentado projetos com resultados concretos. No Paraná, um projeto estadual levou atividades esportivas a alunos com TEA com turmas acompanhadas por profissionais da educação física, psicólogos, pedagogos e nutricionistas. No Amapá, programas de inclusão desenvolvidos durante ações de conscientização estaduais (como campanhas do Abril Azul) vêm implantando atividades lúdico-esportivas e núcleos locais que já atendem crianças com TEA, iniciativas que combinam práticas esportivas com atividades educativas e apoio familiar.
Em municípios do interior e grandes cidades, programas como o PEAMA (Jundiaí/SP) demonstram outra rota possível: oferta gratuita e contínua de múltiplas modalidades adaptadas (natação, atletismo, capoeira, futsal etc.), gestão municipal integrada e ênfase na inclusão dentro da própria rede pública de esporte e lazer.
Enquanto experiências em outros estados comprovam o impacto positivo da prática esportiva no desenvolvimento de crianças com TEA, Mato Grosso ainda busca estruturar suas primeiras políticas voltadas especificamente à inclusão esportiva. O Projeto de Lei nº 1952/2024, apresentado pelo deputado Valdir Barranco (PT), nasce justamente com o objetivo de preencher essa lacuna e garantir que o direito ao esporte seja acessível também às crianças autistas.
Em entrevista à reportagem, Barranco destaca que o projeto foi construído a partir de demandas de famílias, educadores físicos e profissionais da saúde, que há anos tentam manter atividades adaptadas sem o apoio do poder público.

A ideia surgiu ouvindo as famílias. Muitas contam que o esporte é um espaço de transformação para os filhos, mas esbarram em dificuldades básicas, falta de profissionais capacitados, ausência de estrutura e o custo das atividades. Essa lei é um primeiro passo para colocar o tema na agenda do Estado.
O texto propõe a criação de uma política estadual de conscientização sobre o esporte para crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista, com ações de divulgação, formação de profissionais e incentivo à criação de núcleos esportivos inclusivos em parceria com escolas e entidades sociais. “Espero que a política gere impacto direto nas famílias (maior oferta de atividades seguras e orientadas, informação e suporte) e nas instituições (escolas, clubes e centros de atendimento) com aumento da capacitação, melhor acolhimento e articulação entre secretarias para oferta de vagas e espaços inclusivos. Em resumo: mais oportunidades reais e melhor qualidade na prestação de serviços.”, acrescenta Barranco.
O projeto foi protocolado na Assembleia Legislativa e aguarda análise nas comissões. Caso aprovado, poderá ser o primeiro instrumento legal em Mato Grosso a reconhecer oficialmente o esporte como ferramenta de desenvolvimento cognitivo, motor e social para pessoas com TEA.
As famílias que movem o jogo da inclusão
A ciência tem confirmado o que muitas famílias já perceberam na prática: o esporte é uma ferramenta poderosa no desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A psicóloga Thatyane Amorim, profissional de Educação Física e Psicomotricista Neurofuncional, explica que as atividades físicas estimulam áreas do cérebro ligadas à coordenação, linguagem, atenção e socialização, pontos que costumam exigir acompanhamento contínuo em crianças autistas.
“Quando o esporte é planejado com esse olhar psicomotor, ele se transforma em uma ferramenta que promove não apenas o desenvolvimento físico, mas também o equilíbrio entre o corpo, a mente e as emoções, aspectos essenciais para o crescimento global da criança. Através do movimento, a criança aprende a pensar, sentir e agir de maneira mais integrada. As atividades esportivas estimulam a atenção, a memória, o raciocínio, o controle emocional e a autoconfiança, ao mesmo tempo em que favorecem a organização corporal e o domínio do próprio corpo”, explica a especialista.
Diversos estudos internacionais apontam que crianças com TEA que praticam atividades físicas regulares têm melhorias expressivas em habilidades sociais e cognitivas. Pesquisas publicadas pela Autism Research e pela Journal of Physical Education and Sport mostram reduções significativas em sintomas de irritabilidade e hiperatividade após apenas 12 semanas de prática orientada.
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Entre custos altos, falta de vagas e ausência de profissionais capacitados, mães e pais de crianças autistas buscam, sozinhos, espaços onde seus filhos possam se desenvolver por meio do movimento e da convivência. Foi o caso de Bruna Rafaela Benedita de Almeida, mãe de Sophia Benedita de Almeida, de 8 anos. A menina pratica natação duas vezes por semana e encontrou nas aulas muito mais que técnica: um espaço de liberdade. “Eu adoro nadar! Quando entro na piscina, me sinto feliz e livre. Gosto de brincar com os meus amigos nas aulas e de aprender coisas novas com o professor”, conta Sophia.
Bruna explica que o esporte trouxe avanços notáveis para a filha: melhora na concentração, controle emocional e, principalmente, socialização. “Minha filha pratica natação duas vezes por semana, e a experiência tem sido muito positiva para ela. O esporte tem contribuído bastante para a socialização, pois ela aprende a conviver com outras crianças, respeitar turnos e trabalhar em equipe. Além disso, percebi uma melhora significativa na concentração e no controle emocional; ela fica mais calma e feliz depois das aulas. Sophia gosta muito da natação e sempre comenta que se sente livre e animada ao entrar na piscina.”
Mas o caminho até ali não foi fácil. A mãe relata que, para crianças com TEA, encontrar professores preparados e turmas adaptadas é um desafio constante. “Acreditamos que seria extremamente importante ter políticas públicas que incentivem o esporte para crianças com TEA. Uma lei traria mais segurança e oportunidades, garantindo que mais famílias tenham acesso a atividades adaptadas e a profissionais capacitados, além de estimular campanhas de conscientização sobre os benefícios do esporte.”
A Gisele da Silva Oliveira é mãe de três meninos, João Gabriel, Isaque Miguel, e o Henrique. Os dois mais velhos praticam karatê e equoterapia, atividades que, segundo ela, transformaram completamente o comportamento dos filhos. “O karatê ajudou na disciplina, na concentração e na autoconfiança. Eles aprenderam a lidar com frustrações, a respeitar regras e a se expressar melhor. A energia que antes era ansiedade virou foco e alegria.”
O mais novo, porém, ainda não participa de nenhuma atividade por falta de vagas próximas. “Nem sempre há projetos acessíveis ou gratuitos. O deslocamento é um obstáculo. Uma lei seria muito importante nesse sentido, pois pode fortalecer políticas públicas que tornem o esporte realmente acessível. Isso traria segurança, estrutura e profissionais preparados para atender cada criança de forma adequada.”
Gisele acredita que uma lei só será efetiva se houver previsão orçamentária no PPA e na LOA. “É uma proposta importante, mas precisa sair do papel. Esporte é saúde, é cidadania, e tem que estar no orçamento, nas escolas e nas comunidades. Eu, como mãe atípica, desejo muito que tudo isso aconteça. Isso garantirá inúmeros benefícios para as crianças e para as famílias!”
O deputado Valdir Barranco também destaca a importância da formação de professores e instrutores para a efetivação da inclusão no esporte. Segundo ele, a capacitação adequada é fundamental para evitar que o ambiente esportivo se torne fonte de frustração ou exclusão. Investir na qualificação dos profissionais, reforça, garante que a prática esportiva seja segura, motivadora e verdadeiramente inclusiva, um dos pontos centrais do projeto.
Aos recursos e à viabilidade, o parlamentar explica que o projeto prevê a execução das ações mediante previsão orçamentária. Por isso, já foram iniciados diálogos com gestores estaduais para incluir as diretrizes nos instrumentos de planejamento, como o PPA e a LOA, além de buscar fontes de financiamento em programas federais e parcerias público-privadas. “Garantir a fonte no orçamento é condição para a execução sustentável”, reforça.
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Camila Juliane Rodrigues de Souza Alves, mãe de Caleb Henrique, Noah Samuel e Yohanna Emanuelle, vê na capoeira e no futebol um canal de socialização e autoconhecimento para os filhos. “Eles ficam ansiosos pelos dias de aula. O esporte os deixa mais atentos, focados e participativos. É um momento de felicidade real.” Mas Camila também denuncia o preconceito ainda presente. “Nem todos aceitam ou compreendem as limitações. Às vezes, tratam como se nossos filhos não fossem capazes, e isso é muito doloroso.” Relata a mãe. “Toda criança tem o direito de tentar, e o esporte precisa estar preparado para acolher.”
A psicóloga Thatyane Amorim comenta que o esporte, quando desenvolvido com base psicomotora, favorece significativamente a interação social e a comunicação de crianças com autismo. Ao criar um ambiente esportivo inclusivo, explica, elas têm a oportunidade de praticar habilidades de convivência de forma natural e prazerosa. “Nesse contexto, aprendem a se comunicar, a esperar a vez, a compreender sinais sociais e a colaborar com os colegas”, destaca.
A especialista reforça que o principal cuidado ao incluir uma criança com TEA no esporte é olhar para ela de forma individual, mesmo dentro de uma atividade em grupo. Segundo ela, é fundamental compreender as necessidades e o ritmo de cada criança, fazer adaptações quando necessário, utilizar materiais visuais que auxiliem na organização e manter uma comunicação clara. “Além disso, o profissional precisa estar capacitado para entender o autismo e as particularidades motoras envolvidas. Quando isso acontece, a criança se sente incluída e apoiada, como qualquer outro aluno”, explica.
No bairro Ilza Terezinha, em Cuiabá, Maríluce do Nascimento celebra cada sábado com o filho Davi Lucas, de 9 anos, que participa de um projeto social de judô. “Essa atividade mudou muito o comportamento dele, especialmente na interação social. Ele, que antes tinha dificuldade com contato físico, agora já aceita toques e desenvolveu habilidades de socialização que não tinha.” O projeto, mantido por uma igreja, é um dos poucos espaços acessíveis que aceitam crianças com TEA. “O esporte é o momento mais esperado da semana para o meu filho. Ele conta os dias para chegar sábado.”
A exclusão, porém, ainda é uma realidade para muitas famílias, como relata Jessika Christiny Pereira Amorim, mãe de Anthony Gabriel, de 8 anos. “Meu filho foi recusado em aulas de natação e em uma escola de futebol na hora da inscrição. Só de falar que ele era TEA, eles diziam que não havia vaga e que, se surgisse, nos ligariam. Na verdade, havia vagas, mas não queriam aceitar meu filho devido à condição dele. Hoje, meu filho pratica judô, e a experiência tem sido muito positiva. O esporte ajudou bastante no desenvolvimento físico e na concentração dele. Ele já vai participar de campeonatos, e estou muito feliz com a evolução que ele tem apresentado. O judô tem contribuído para diversas áreas da vida dele, mostrando o quanto o esporte pode ser transformador para crianças com TEA.”
Segundo levantamento feito a partir dos relatos, 100% das mães apontam melhora emocional e social dos filhos após iniciarem uma atividade esportiva. Mas também 100% afirmam encontrar barreiras de acesso, como falta de vagas, estrutura e profissionais capacitados. Nos estados de São Paulo e Pernambuco, por exemplo, políticas de incentivo ao esporte adaptado já resultaram na criação de centros de treinamento e bolsas específicas, ampliando o acesso a programas públicos. Esses resultados inspiram iniciativas que começam a ser desenhadas também em Mato Grosso, onde as mães veem na proposta apresentada à Assembleia Legislativa uma possibilidade de transformar a realidade de seus filhos, e a de tantas outras famílias.
Barranco também destacou que o projeto foi inspirado em boas práticas observadas em outros estados brasileiros. “Essas experiências, quando bem estruturadas, mostraram resultados importantes, especialmente em campanhas educativas, na produção de materiais acessíveis e na capacitação de profissionais”, explica. O parlamentar ressalta ainda que o projeto não busca replicar um modelo pronto, mas sim adaptar medidas eficazes à realidade local. “A proposta dialoga com boas práticas adotadas em outras casas legislativas e programas estaduais de esporte adaptado. A ideia é aplicar o que funciona ao contexto de Mato Grosso, priorizando ações que favoreçam a inclusão, reduzam a ansiedade e estimulem a sociabilidade.”
O esporte como caminho de inclusão e desenvolvimento
Um estudo publicado pela Universidade de Cambridge apontou que a prática regular de esportes adaptados melhora significativamente os níveis de interação social e comportamental de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), com ganhos perceptíveis na autoconfiança e na comunicação (PMC, 2024). Revisões científicas recentes também mostram que o exercício físico é capaz de reduzir comportamentos repetitivos e aumentar o engajamento social, resultados confirmados por meta-análises disponíveis no Frontiers in Psychiatry e no National Library of Medicine (PMC).
No Brasil, pesquisas semelhantes vêm sendo conduzidas por universidades públicas, como a Universidade de Brasília (UnB), que tem investigado o impacto da natação e de outras práticas psicomotoras no desenvolvimento social e motor de crianças autistas. De acordo com levantamento citado pela UnB, a prática contínua de esportes adaptados contribui para avanços expressivos na coordenação motora, concentração e interação entre colegas. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registou que 2,4 milhões de brasileiros têm diagnóstico de TEA, ou seja cerca de 1,2% da população com 2 anos ou mais, segundo dados do Censo 2022.
Sobre esse aspecto, Thatyane Amorim reforça que os efeitos do esporte vão além da inclusão. “Sem dúvida, o esporte também pode ajudar na redução de comportamentos repetitivos, ansiedade ou agitação. Isso acontece porque a atividade física direcionada ajuda a canalizar a energia da criança, oferecendo uma estrutura e previsibilidade que trazem mais calma e segurança.”
Os benefícios do esporte para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são amplamente reconhecidos por especialistas e confirmados em diversos relatórios técnicos e estudos científicos. As atividades físicas favorecem o desenvolvimento das habilidades motoras e da coordenação, estimulam a comunicação e as interações sociais, reduzem comportamentos repetitivos e níveis de ansiedade, além de promoverem ganhos significativos para a saúde física e mental. O esporte também contribui para o fortalecimento da rotina, da disciplina e da autoestima, elementos fundamentais para o bem-estar e a autonomia das crianças.
Com uma lei estadual criada para ampliar a inclusão esportiva de pessoas com TEA, o impacto esperado seria amplo e multifacetado. A proposta envolveria a ampliação da oferta de atividades seguras e orientadas, a difusão de informações sobre práticas inclusivas e o fortalecimento das redes de apoio às famílias. Nas instituições, esperam-se avanços na capacitação de profissionais, aprimoramento do acolhimento e maior articulação entre secretarias para garantir vagas e espaços preparados para o público autista.
A meta seria ampliar as oportunidades reais de inclusão e elevar a qualidade dos serviços prestados: campanhas de conscientização em diferentes meios de comunicação, a produção de materiais educativos acessíveis, como cartilhas e vídeos com linguagem simples e recursos visuais adaptados, e a implementação de programas de capacitação contínua voltados a profissionais do esporte, da educação e cuidadores.
A execução ocorreria de forma descentralizada, respeitando as realidades regionais do estado. Para isso, seriam articuladas ações entre as secretarias de Saúde, Educação, Esporte e Assistência Social, além de parcerias com redes públicas de ensino, federações, clubes esportivos, universidades e organizações não governamentais que já desenvolvem projetos com o público autista. Essas cooperações seriam essenciais para garantir a efetividade das ações e o acompanhamento dos resultados. A proposta buscaria transformar experiências individuais em políticas públicas duradouras, promovendo inclusão, convivência e desenvolvimento humano por meio do movimento.










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